Penetrar na alma do outro e perceber seus segredos e mentiras, suas verdades e vontades, seus desejos e medos.
Reconhecer a mais íntima existência de um outro alguém que não é igual nem diferente, nem maior, nem menor, apenas existe em sua individualidade com seus pensamentos, percepções e sentimentos.
Comungar do sentimento alheio sem se confundir com ele. Estar com o outro sem ser ele e sem lhe pertencer ou ser pertencido.
Sentir pelo sentir do outro; pensar pelo pensar do outro; perceber pelo perceber do outro, exatamente como o outro sente, pensa e percebe, sem distorções, sem mentiras, sem enganos...
Assim como tomar os olhos do outro e com eles olhar para o mundo, para si mesmo e para a profundidade da alma de quem se compartilha o momento único, pleno da intensidade da comunhão.
Refletir a imagem do outro e não criá-la a sua semelhança.
Assim é a compaixão.
Ela aflora quando vemos pela TV os efeitos do HIV na África. Quando vemos, no mesmo continente, os efeitos da guerra que causam fome em crianças com olhos enormes, esqueletos desenhados abaixo da pele e moscas passeando e sorvendo os líquidos lacrimais e nasais. Gostaria de fazer um paralelo, se me permitem, sobre compaixão e trazê-la do global para o pessoal. Eu não sou psicólogo, portanto, não irei perturbá-los muito.
Um importante estudo feito há algum tempo nos seminários Teológicos de Princeton explica as razões porque mesmo que todos tenhamos tantas opções para ajudar, ajudamos algumas vezes e outras não. Um grupo de estudantes no Seminário Teológico de Princeton foi instruído a praticar um sermão e a cada um foi dado um tema. Metade deles recebeu como tópico a parábola do Bom Samaritano: o homem que parou para ajudar um estranho, um estranho necessitado à beira da estrada. A outra metade recebeu outros temas bíblicos. Então, um a um, eles foram instruídos a ir a outro prédio e fazer uma palestra sobre o tema. No caminho até lá, cada um deles passou por um homem agachado, gemendo, claramente necessitado. A pergunta é: eles pararam para ajudar?
A pergunta mais interessante é: Fez diferença se estavam pensando na parábola do Bom Samaritano? Resposta: não! Absolutamente não. O que determinou se alguém iria parar e ajudar um estranho necessitado era com quanta pressa eles achavam que estavam, se eles achavam que estavam atrasados, ou se eles estavam concentrados no que iriam dizer. E isto é, acho, a situação de nossas vidas: nós não aproveitamos cada oportunidade de ajudar, porque estamos olhando na direção errada.
Existe um novo campo da neurociência, a neurociência social que estuda os circuitos no cérebro das pessoas que são ativados quando elas interagem. A nova análise da compaixão, pelas neurociências sociais, é que os circuitos, por padrão, nos dizem para ajudar. Ou seja, se notamos a outra pessoa, nós automaticamente temos empatia, nós automaticamente sentimos o que ela sente. Existem neurônios recém-identificados, os neurônios-espelho, que funcionam como neurônios Wi-Fi, ativando nosso cérebro exatamente as áreas ativadas no de nosso semelhante. Sentimos o mesmo automaticamente. E se a pessoa tem alguma necessidade ou está em sofrimento, estamos automaticamente preparados para ajudar. Pelo menos este é o argumento.
Mas a pergunta é: por que não o fazemos? E isto passa por um espectro que vai de completo egocentrismo, a notar, à empatia e à compaixão. E o fato é que, se nós estamos concentrados em nós mesmos, se estamos preocupados, como é comum durante o dia, nós não notamos o outro de forma alguma. E esta diferença entre o si mesmo e o estar em outro foco pode ser muito sutil.
Estava preenchendo o imposto de renda outro dia e cheguei ao ponto em que listava as doações que fiz, e tive uma epifania, assim que vi minha doação para uma determinada Fundação Para Saúde Visual e eu pensei, puxa, meu amigo Fulano deve estar feliz de eu dar dinheiro para a sua Fundação. Então percebi que o que tive foi uma crise narcisista de me sentir bem sobre mim. E comecei a pensar sobre as pessoas cujas cataratas seriam operadas, e percebi que fui do egocentrismo narcisista para a felicidade altruista, de me sentir bem pelas pessoas que ajudei. Acho que isto é um motivador.
Mas a distinção entre o foco em nós e o foco nos outros é uma que eu incentivo a todos a prestar atenção. Você pode ver isso, grosso modo, no mundo dos namoros. Eu estava em um Sushi Bar há algum tempo e ouvi duas amigas conversando sobre o irmão de uma delas, que era solteiro. E uma delas dizia, "Meu irmão tem dificuldade para marcar encontros, então ele experimentou uma casa de encontros." Vocês já ouviram falar? As mulheres sentam-se nas mesas e os homens vão de mesa em mesa, e existe um relógio e um sino, que soa a cada cinco minutos, a conversa acaba e a mulher decide se dá um cartão ou seu e-mail para o homem para continuarem. E aquela mulher disse: "Meu irmão nunca recebeu um cartão. E eu sei exatamente o porquê. No momento em que senta, ele começa a falar de si, ele nunca perguntou nada à mulher sobre ela."
Eu fiz uma pesquisa em jornais, procurando histórias de casamentos, porque elas são muito interessantes, e soube sobre o casamento de Fulana de Tal. Ela disse que quando ela estava na fase dos encontros, ela tinha um teste simples para a outra pessoa. O teste era: do momento em que se encontraram, quanto tempo levava até que o homem fizesse uma pergunta com a palavra "você". E o Sr. "de Tal" parece que passou no teste, daí a razão do artigo.
É nossa empatia, nossa sintonia que nos separa dos maquiavélicos e sociopatas. Há um escritor especialista em horror e terror que escreveu "O Drácula comentado", "Frankenstein Essencial". À certa altura ele decidiu escrever um livro sobre um serial killer. Um homem que aterrorizou a vizinhança há muitos anos. Ele era conhecido como estrangulador de Santa Cruz. E antes de ser preso, ele matou seus avós, sua mãe e cinco estudantes da universidade onde estudava.
Ele entrevistou esse assassino e descobriu, que este homem é aterrorizante, primeiro, porque tem quase dois metros de altura. Mas esta não é a coisa mais assustadora sobre ele, o mais horripilante é que seu QI é 160: seguramente um gênio. Mas não existe nenhuma correlação entre QI e empatia emocional, sentir com o outro. Eles são controlados por partes diferentes do cérebro.
Em determinado momento o escritor toma coragem e pergunta o que ele realmente quer saber.
- "Como pôde fazer aquilo?" "Você não sentiu nenhuma piedade por suas vítimas?" Aqueles foram assassinatos íntimos, ele estrangulou as vítimas. E o estrangulador disse diretamente:
- "Não, se eu sentisse mal estar, eu não conseguiria ter feito. Eu tive de desligar essa parte de mim. Eu tive de desligar essa parte de mim".
Há algum tempo, quando eu fazia um trabalho voluntário com as pessoas sem-teto nas ruas descobri, ao observá-los, que quase todos eram pacientes psiquiátricos que não tinham onde ficar. Eles tinham um diagnóstico. Isso me fez ver, e o resultado foi me tirar do transe urbano onde, quando vemos um sem-teto, ou cruzamos por um deles com o canto do olho, ele fica nesta periferia do nosso olhar. Se não os notamos, não agimos.
Um dia, logo depois disso, era uma sexta no fim do dia, eu desci as escadas do metrô na hora do rush e havia centenas de pessoas descendo as escadas. Subitamente, enquanto descia eu notei um homem caído ao lado, sem camisa, imóvel, e as pessoas apenas pulavam por cima dele, centenas e centenas de pessoas. E porque meu transe urbano foi de algum modo enfraquecido, eu parei para ver o que havia de errado. No momento em que parei, meia duzia de pessoas imediatamente pararam em torno dele. Descobrimos que era um hispânico, não falava portugês, não tinha dinheiro, andou pela cidade por dias, faminto, e desmaiou de fome. Imediatamente alguém trouxe suco de laranja, outro trouxe um cachorro-quente, e alguém chamou um segurança do metrô. E aquele homem se ergueu imediatamente. Tudo que precisou foi o simples ato de ser percebido, então, eu estou otimista.