segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A pizzaria


.:A Pizzaria:.
- Não me lembro de ter recebido um só beijo do meu pai.
- Para mim isso sempre foi uma coisa normal.
- Não tinha outra referência.
Brasília passava rapidamente pela janela do carro enquanto Riaj explicava com muita naturalidade, ao amigo Marcel, a ausência do amor de pai na sua vida... Não se viam já havia anos.
Naturais de Itabuna trabalharam juntos quando jovens, tinham muito que atualizar...
Rumávamos para a casa de Sedruol, a quem chamavam de Sedruolzinha, outra ausente há 20 anos...
Riaj relembrava Marcel de fatos ocorridos em Itabuna enquanto a asa sul chegava ao seu final e se aproximava a casa de Sedruolzinha.
Num encontro de trabalho em Brasília eu, um desconhecido paulista, conheci Riaj que há anos mora e trabalha no Rio de Janeiro. Riaj é do tipo esguio. Sério no pensar, firme no falar, alegre no agir e revelador no olhar. O manto espesso construído há anos impede os menos observadores de conhecê-lo, porém, basta um olhar mais atento e nota-se que o manto é transparente.
Conheci também Marcel que depois de trabalhar em alguns estados brasileiros, inclusive São Paulo, mora em Brasília e nos levou por todo o Eixo Monumental para um tour rápido, mas passando por todos os pontos importantes da Capital do país. Do tipo atarracado, Marcel não é muito alto. É solícito e prestativo. A simplicidade lhe confere espontaneidade no falar. É do tipo que se doa já no primeiro contato, sem a preocupação de receber. Transparente como Riaj, porém, sem nenhum manto para protegê-lo de algo que nem ele mesmo conhece.
A questão era: Será que Sedruolzinha iria reconhecê-los? Riaj não tinha dúvidas. A imagem de Sedruol era muito viva em sua memória. Tinha certeza que seria reconhecido assim como a reconheceria imediatamente. Marcel já não estava tão seguro. Lembrava-se de Sedruol, porém tinha dúvidas se seria reconhecido.
Ouvindo Riaj descrever Sedruol fui esculpindo sua imagem em um pedestal virtual e já era capaz de reconhecê-la quando a visse. De estatura baixa, cintura fina e pernas grossas, Sedruol trazia, ainda, no corpo, o registro de origem dos comentários de Riaj e Marcel.
Marcel parou num posto para reabastecer o carro e Riaj ligou para Sedruol para confirmar se estávamos no caminho certo...
Sedruol estava na porta quando chegamos. Riaj, num cumprimento afetuoso dispensou apresentações. O mesmo não ocorreu com Marcel, mesmo depois de apresentado, Sedruol não havia conectado lembranças ao que, fisicamente, Marcel apresentava. Eu, que sequer fazia parte daquela história, procurei me inserir na estória brincando com Sedruol que, se não havia reconhecido Marcel, a mim, reconheceria muito menos.
Gelos à parte, uísque diluído, fomos para os primeiros goles.
Sentados em um ambiente descontraído, chamou-me a atenção uma cozinha em estilo americano que dividia o espaço com aquela pequena sala-de-estar que, em contato direto com o céu, mostrava vasos de samambaias que pendiam de uma pérgula no espaço que unia os dois ambientes.
O pêlo macio de uma pequena poodle acariciava os meus dedos enquanto Riaj e Sedruol conversavam sobre coisas do passado. Marcel pouco participava. A maciez do pelo da cadela me fez perder a audição e eu já não sabia mais do quê falavam Riaj e Sedruol. Viajei para Itabuna. Regredi vinte anos e via claramente aquelas pessoas trabalhando e interagindo com a despreocupação e a impetuosidade que a juventude nos confere.
Sedruol tentava descobrir Riaj.
De repente tudo estava conversado e iríamos para uma pizzaria.
As sombras dançavam nas paredes, numa coreografia sincronizada com as chamas das velas distribuídas nas pequenas mesas que compunham o salão de entrada onde nos sentamos. Riaj e Sedruol não paravam de falar. Sentados lado-a-lado estavam envoltos em olhares, cheios de ontem, e palavras que os transportavam para vivências e lembranças de Itabuna.
Eu e Marcel, que participávamos das conversas como ouvintes, tomamos a iniciativa e escolhemos os sabores das pizzas que eram individuais. Logo Riaj e Sedruol nos seguiram e estava tudo escolhido: pizza e cerveja.
Com o cenário pronto, a luz já adequada, os personagem nas suas marcações, foi num instante que as cortinas subiram:
Riaj, um gigante menino. Envolvia Sedruol com tentáculos manipuladores. Conduzia, determinava e por que não? Manipulava Sedruol que, na mínima tentativa de se livrar, era imediatamente forçada a voltar para os rumos estabelecidos por Riaj. Às vezes eu imaginava que ela conseguia ver através do manto de Riaj, porém, havia anos de névoa e talvez ela houvesse desistido. Riaj mantinha-se gigante com uma naturalidade e simplicidade invejáveis. Sedruol envolvida, quase embevecida naquele upload. Riaj, por sua vez, num download prazeroso e confortável.
Marcel nada via; Ouvia e, quando em vez, concordava ou discordava de alguma afirmação ou pergunta que lhe fosse dirigida. Os tentáculos de Riaj envolvendo Sedruol fundiam-se com as sombras nas paredes deixando Marcel sem a mínima condição de se situar.
Na minha cabeça passeavam conjecturas que somavam anos. Da platéia era quase impossível ver o cenário todo com o olhar fixo em um único ponto. Eu insistia. Sedruol deve ter passado sua vida tentando decifrar Riaj. Eu o tinha feito em minutos. Ela não desistia. Voltou ao passado, revolveu lembranças, insistiu em velhas perguntas e o gigante Riaj manteve-se impassível.
- E sobre seus filhos? Perguntou Sedruol.
- Você não vai querer falar sobre isto agora! Com voz firme e imperativa manifestou-se o gigante.
Sedruol recua e se entrega aos rumos de Riaj.
Marcel inquieta-se. Talvez por já ter vivido a mesma situação. Talvez porque sendo homem, compreendesse melhor as razões de Riaj. Talvez por ter notado que eu estava decifrando o código tácito da conversa. Talvez porque quisesse mais cerveja que não estava ao seu alcance...
Tentáculos a postos, Riaj conduziu até o último pedaço de pizza e o último gole de cerveja o encontro com Sedruol tendo como espectadores, a mim e Marcel.
Selamos o encontro com algumas fotos que ainda não recebi.
Sedruol não descobriu Riaj.
Se Riaj tivesse me perguntado sobre o carinho de pai eu teria respondido:
- Não me lembro de ter recebido um só beijo do meu pai.
- Para mim isso sempre foi uma coisa normal.
- Não tinha outra referência.
Yussif - Nov/03

Eu não sou eu




.: Eu não sou eu :.
Sou um acompanhante eterno de mim mesmo, nem sempre o vejo;
Às vezes, eu me vejo sozinho, porque ao meu lado o vejo zombando de mim,
e , às vezes, me esqueço que eu só sou eu
quando o vejo ao meu lado.
Ele é o que cala, sereno, quando eu falo,
Ele é o que perdoa, doce, quando eu odeio,
Ele é o que passeia por onde eu não estou,
Ele é o que ficará em pé quando eu morrer.
Yussif - jun/05

O lobo



.: O lobo :.
Não há limite que detenha a vontade de ser. Os caminhos se abrem em ampla e inusitada ousadia que nada há de deter o desejo, a força e a coragem. É o lobo.
Explode a liberdade contida e se extingue o mínimo de
censura. Não a censura pudica, mas aquela que nos vai atando a cada passo que damos. Não há impossível, não há errado, não há não. O lobo avança, sobre a vida, sobre as cores, sobre as formas, sobre letras, sobre os sonhos. É soberano!
A excitação da aventura torna realidade a magia e permite ao imaginário realizar-se na concretude do delírio e da alucinação.
Alegria incontida, desejo voraz, inquietação de espírito e emoção à flor da pele irradiando possibilidade e êxtase.
A crítica perde-se na inutilidade da escuta fugidia e da
incompreensão arruinada. O lobo deixa pegadas eternas nas letras. A transgressão é a meta e nada há de impedir.
Transgride-se, porém, apenas, a morbidez da moral e a desmoralização da vida hipócrita que se tenta impor ao oprimido. Ao lobo não se imputa a opressão. Liberta-se e vive. Explode em viver.
Yussif –Nov/05

Baiana




Eu sou baiana, de saia rodada,
de saia dourada...
Eu sou baiana de bandeja,
de frutas coloridas...
Eu sou baiana construída,
na forma, pensada...
Eu sou baiana que dança,
que gira com imagens refletidas,
Eu sou baiana de arte concebida.
Eu sou baiana de arte.
Eu sou baiana,
Eu sou,
Eu.
Eu sou,
Eu sou baiana,
Eu sou baiana de arte,
Eu sou baiana de arte concebida.
Eu sou baiana que dança,
Que gira com imagens refletidas,
Eu sou baiana construída,
na forma, pensada.
Eu sou baiana de bandeja,
de frutas coloridas...
Eu sou baiana de saia rodada,
de saia dourada...



Yussif 04/12//05

A música árabe




A música Árabe

 
A dança árabe é determinada pelo acompanhamento musical. Esta música nunca é simplesmente pano de fundo. É tarefa da bailarina expressar as emoções solicitadas pela música e durante improvisações destacar a qualidade do instrumento que sola, extraindo dele sua qualidade essencial, tudo através da dança. O termo música árabe é enganoso. Notas, ritmos, instrumentos e estilos de canto variam de país para país. Ainda assim, toda música árabe compartilha certas semelhanças. Uma delas é que dentro de sua estrutura formal, ela reteve do passado uma fortíssima qualidade na improvisação e em sua essência ela é altamente melódica.

 Ao contrário da música ocidental, ela não desenvolveu o uso da harmonia. A razão básica é que harmonia depende de um sistema tonal fixo (um espaço invariável entre notas). Toda escala na música árabe tem certas posições fixas – tons e meios tons – como na música ocidental, mas entre eles existem notas sem lugar fixo e que caem em posições ligeiramente diferentes numa escala cada vez que são tocadas.

 Na música árabe, uma única oitava pode conter algo entre 18 e 22 notas com intervalos tão pequenos quanto a nona parte de um tom. As únicas composições que podem incluir harmonias simples são aquelas baseadas na melodia e escala ocidental. É este tipo que ouvimos nas gravações orquestradas modernas.

 Dentro do elaborado sistema de escalas da música árabe, os instrumentistas tem espaço para explorar a melodia, mais ou menos da mesma forma parecida que uma improvisação de jazz. Isto é feito utilizando a melodia e tecendo padrões complexos ao redor dela, do mesmo modo que a arte islâmica começa com um motivo central e ornamentos ao redor dele para construir os padrões arabescos.

 O mais próximo que podemos chegar da antiga música árabe é o que vemos na estrutura formal Arabe-Andaluz, um estilo de Maghrib. Os mouros, termo europeu para designar os árabes e bérberes, ficaram na Espanha por 700 anos. Inicialmente conquistaram a Andaluzia, como eles a batizaram no início do século VIII e por algum tempo ela permaneceu não mais do que uma remota província do Império Islâmico em expansão. Ainda em tempo, a Andaluzia, que compreendia uma área maior do que a que conhecemos hoje por este nome, se tornou o maior canal da civilização islâmica para o Ocidente. Nos idos de 750 a dinastia de Umayyad foi expulsa de Damasco e se estabeleceu na Andaluzia. A apaixonante cultura Ummayyad trouxe a música tradicional da Arabia Oriental para Espanha, onde mais tarde foi modificada pelas influências gregas e se tornou a música Árabe-Andaluz que estabeleceu suas raízes no Norte da África.

Em 1822 o músico Zuyab chegou na Espanha da Corte Abassid de Bagdá, trazendo com ele formas musicais persas que tinham sobrevivido na Andaluzia e ainda hoje permanecem no flamenco. O primeiro conservatório de música foi fundado no século XII em Córdoba, naquele tempo um dos centros culturais mais celebrados da Europa. Até aquele momento, a maioria dos habitantes da Andaluzia falava árabe e tinha adotado a fé do Islamismo. A dominação islâmica da Espanha durou até o século XV quando a unidade do califado se enfraqueceu e aconteceram divisões étnicas e tribais, expulsando os muçulmanos da Europa em 1492.

A penetração múltipla de estilos artísticos na Espanha Mourisca deixou mais do que uma esplêndida arquitetura.

No sentimento, o ritmo do cantar, a música da Espanha é mais árabe que européia. Flamenco é uma mistura de elementos mouriscos, andaluzes e ciganos, e sua forma mais antiga é especialmente árabe no sabor com ritmos separados por leves pausas. Esta é uma característica tanto das canções quanto das composições instrumentais.

 O principal instrumento do flamenco, a guitarra (violão), se desenvolveu a partir do Al Aúde, o clássico instrumento da música árabe. O Al Aúde, que provê tanto a melodia quanto o ritmo, é o protótipo no qual a teoria da música árabe é baseada. Ele é cavado em um único bloco de madeira. Através da Espanha Mourisca, o Al Aúde encontrou seu caminha para o resto da Europa, mais tarde se transformando na guitarra dos dias de hoje.

Para examinar a música de todos os países árabes levaria o tempo e o tamanho de um livro. Aqui estão apenas algumas informações sobre o estilo da música oriental, exemplificadas pela música egípcia, a qual tem absorvido a maioria das mudanças ao longo do anos e é a mais ligada com os solos usados na dança feminina.

A música oriental inclui muitas tradições desde o Iraque até o Egito. É difícil fazer a distinção entre música clássica e popular. A música clássica é um refinamento da tradição folclórica. A música menos sofisticada, ou folclórica, do Norte da África e também do Oriente Médio é aquela que acompanha a danças tradicionais tais como a marroquina "chikhat" ou a egípcia "ghauazi".

Quando mulheres se reunem informalmente para se divertir, elas produzem músicas cantadas batendo palmas e usando instrumentos de percussão como bindir e seu equivalente no Oriente Médio, daff.

Contra-tempos são tocados, usando diferentes tipos de palmas, as mãos como conchas produzem som opaco, enquanto bater as pontas dos dedos contra as palmas resulta num som claro e agudo. Essa riqueza e elaboração na forma de bater palmas é uma característica especial da música do Norte da África. O único tambor tocado com bastões, ao invés das mãos é o "tabil baladi" um enorme tambor de duas faces que é pendurado por uma tira em volta do pescoço do músico. Seu som profundo e pesado, faz dele um instrumento popular para todas as celebrações que envolvem procissões, tais como casamentos e cerimônias religiosas.

 Os instrumentos rítmicos de música oriental tanto folclórica quanto clássica são o darbak (darbuka na África) e o tabla (no Egito). Este instrumento parecido com o pandeiro ou pequenos tambores do Brasil, produz sonoridade intensa e nas mãos de um músico habilidoso, os mais sutis embelezamentos na música.

A música oriental moderna tem sido influenciada de diversas formas pelo Ocidente, formas que às vezes são bem-vindas, e às vezes não. No Yemen, músicos que tocam canções ou melodias tradicionais são respeitados enquanto outros que utilizam um estilo ocidental são tratados com desprezo. Contrariamente no Egito e Líbano música ocidental tem sido aceita pela diversidade que oferece. A influência ocidental na música egípcia deriva das tentativas no final do século XIX para modernizar o país e do impacto posterior da mídia. Este impacto foi concentrado nas grandes cidades.

Do final do século XIX para frente, novas escalas melódicas padrões métricos e tipos de composição foram absorvidos dentro da música no Egito, enquanto o tipo de instrumentos usados numa orquestra mudavam e cresciam em variedade. O "tabla" originalmente um instrumento "baladi" se tornou proeminente nas orquestras apenas depois da 1ª Grande Guerra Mundial. O tradicional grupo de quatro ou cinco instrumentos cresceu para uma orquestração completa. O estilo europeu das bandas militares resultou na gradual adição dos metais, enquanto violino, orgão elétrico, acordeom e violoncelo gradualmente foram aceitos e se transformaram em parte de uma orquestra egípcia.

Quanto maior o número e a variedade dos instrumentos, mais fácil é criar uma rica sonoridade. Como as bandas cresceram de 5 a 6 componentes para as grandes orquestras de hoje, também a música ganhou uma textura mais rica, com instrumentos específicos ou grupos de instrumentos dominando certos trechos da música. Os percussionistas produziram uma ornamentação mais complexa nos ritmos, e uma música que no passado tinha sido principalmente improvisada se tornou mais estruturada.

 
Os Ritmos na Música Árabe

 Alguns dos principais ritmos são:

 - Baladi

- Uhada U nuz

- Saíd

- Malfuf/Saudi - Khaligi

- Masmudi

- Aiub

- Chiftitili

- Rush

 
BALADI

Este é um ritmo inserido no grupo dos derivados do Maqsum .

Maqsum simples é a base de muitos ritmos e especialmente importante na música egípcia. Se você ouve música oriental com acopanhamento de percussão, certamente reconhece o tradicional DT-TD-D do Maqsum.

O Baladi é uma versão folclórica do significado da terra, do campo e envolve no Egito um pouco de regionalismo Maqsum, caracterizado pelos familiares dois dums que lideram a frase. A palavra Baladi, o folclore. Este ritmo é muito típico aparecendo com frequência na música para Dança Oriental. O Dum duplo tende a submergir quando há acompanhamento melódico por isso, às vezes, pode não ser ouvido de imediato, então utiliza-se como base, uma versão simples de Maqsum.

 
UAHDA U NUZ

Uhahida é um (1) em árabe. Este ritmo é assim chamado por ter um Dum e meio no início da frase. Como possui um assento inicial e possibilidades de preenchimento no meio e no final, pode ser utilizado para fazer transições entre ritmos de variadas contagens. É muito utilizado no início de um solo de Darback, proporcionando um início lento e envolvente para o que vem a seguir.

 
SAID

 Este ritmo, novamente na essência um Maqsum, com diferente sabor e assento, é popular no Alto Egito. Similar ao Baladi, é usualmente tocado de forma acelerada, com batidas sobrepostas e fortes.

É tradicional para Tahib (dança masculina do bastão), assim como para Dança do Ventre, especialmente na conhecida como Dança da Bengala, funcionando para as mulheres como uma versão em paródia da dança masculina. Pode-se encontrar para este ritmo o nome de Ghauazi, para um estilo de Dança em particular, que é conhecido por Dança Cigana Egípcia.


MALFUF/SAUDI - KHALIGI

Ritmos Orientais com oito batidas por compasso, que são compostos por grupos de três, três e duas batidas, onde o assento está no primeiro tempo de cada grupo. São encontrados através de todo o Mediterrâneo e Oriente Médio. Na Arábia Saudita, seu nome é Saudi ou Khaligi, é tocado de forma mais lenta e incompleto com espaços de som, os Dums estão no tempo um e três. No Egito e Líbano, é chamado Malfuf, mais preenchido e acentuado muitas vezes com o Dum apenas no primeiro tempo.

Malfuf é usado para acompanhar danças em grupos, coreografias, músicas modernas ou populares. Poderá ser encontrado também nas entradas e saídas de shows por oferecer constância e velocidade necessárias para esses momentos.


MASMUDI

 Este ritmo é caracterizado pela união de duas frases com quatro compassos cada. Às vezes a primeira frase tem duas batidas condutoras. Uma dessas versões é chamada "masmudi guerreando" - supõe-se que sôa como um homem e uma mulher brigando. A versão que possui três batidas condutoras é usualmente chamada "masmudi caminhando".

Masmudi é muito comum na música para dança, aparecendo para intensificar a percussão, criando um momento especial na apresentação de riqueza inesperada.


AIUB

Comum e claro 2/4. Tocado no Oriente desde a Turquia até o Egito. É usado de forma lenta para uma dança tribal no norte da África chamada Zar - no Marrocos também aparece numa versão com seis batidas por compasso. É tocado de forma acelerada para os passos rápidos na dança oriental e no folclore.

Alguns dizem que Aiub é supostamente o som que poderia ilustrar na dança o andar do camelo. A dança dos cavalos típica do Egito tem por base o ritmo Aiub.

 
CHIFTITILI

Este rítmo Turco ou Grego é caracterizado por não ter acento no terceiro tempo e apresentar forte acento no quinto, sexto e sétimo tempo. Em sua essência é como outros similar ao Maqsum. Muito comum na Turquia e outros países, é tocado de forma lenta e moderada preferencialmente mantendo espaços entre as batidas. Os "darbackistas" apreciam completá-lo com improvisações inesperadas e criativas. Frequentemente este ritmo aparece acompanhando um Taksim (improvisação melódica).

 
RUSH

Floreado utilizado pelo percussionista, que cria grande impacto na audiência. Não possui acento pré-determinado nem contagem. Os dedos passeiam com rapidez assombrosa no darback, criando a sensação de vibração sonora. As flutuações de aceleração são totalmente improvisadas, bailarina e músico devem estar perfeitamente entrosados. Para o espectador, o instrumento leva a música para dentro de seus ouvidos e o corpo da bailarina deverá ser a tradução exata das impressões sonoras recebidas.


Yussif Dez/2005

A Imagem na Tradição Árabe

A Imagem na Tradição Árabe


Escolhi para tema desta exposição "A imagem na tradição árabe", a imagem no que ela tem de fundamental para a compreensão das expressões artísticas árabes, buscando aquilatar o grau de importância que têm as mesmas em face da cultura em que se inserem. E devo dizer que a escolha se deu, por entender que o conteúdo deveria incidir sendo possível — em tema aglutinador das escolhas feitas ao longo de minha vida como docente e pesquisador.
Considerando aspectos centrais de meu trabalho, percebo que meu interesse caminhou, muito frequentemente — por sendas diversas e aparentemente independentes — na direção da importância fulcral que tem a palavra no âmbito da Cultura Árabe, focalizando as instâncias em que mais apropriadamente ela se revela: o conto sentenciado, o provérbio, o teatro ou o conto dramatizado, culminando com a palavra "alcorânica" e a Arte Caligráfica. Decorrente desta constatação — e até como condição para que esta importância ressalte na tradição árabe — pareceu-me interessante analisar — ainda que de modo horizontal, dadas as proporções de tempo que nos condicionam no momento — o contraponto da palavra, a imagem, perscrutando seu valor não só em sua dimensão religiosa, mas, mais amplamente, em sua dimensão antropológico-cultural, organizando um percurso de observação que não vise apenas à realidade árabe sob a égide do Islam, mas que inclua também, a realidade pré-islâmica da Península Arábica, nascedouro da última grande religião monoteísta.
No contexto árabe, o estudo da imagem adquire uma instigante complexidade e torna-se cada vez mais necessário, na medida em que a intrusão da imagem sob as formas modernas: plástica, audio-visual, "internética", digamos assim, em estruturas sociais de dominante amplamente tradicional leva a desequilíbrios enriquecedores e às vezes, a mudanças radicais.
Diga-se de passagem também que, ainda hoje, os analistas da assim chamada sociedade pós-moderna, cifram sua caracterização como eikon em oposição a logos, a civilização da imagem em contraposição a uma civilização da palavra(1).
Ao falar de imagem, remetemo-nos muito naturalmente ao âmbito da arte, campo onde mais sensivelmente se pode observá-la.
Quando nos referimos a arte árabe, referimo-nos, ao mesmo tempo, a arte islâmica, à qual está intimamente vinculada e com a qual se confunde, a partir do movimento expansionista árabe que se segue ao advento do Islam no século VII, ocorrido no coração da Arábia, em razão da divina mensagem revelada a Muhammad em língua árabe e consubstanciada, mais tarde, no Al Corão, texto maior do muçulmano.
Mas, antes de considerarmos que primi motori presidiram a criação islâmica, é preciso saber se determinadas características foram cultivadas, se estas tiveram um papel permanente com relação à arte ou ainda, se enquanto fenômeno islâmico, a arte não é apenas uma variante regional e temporal de outras entidades artísticas (como se sabe, a civilização árabe islâmica formou-se no curso de sua expansão, a partir do contato com povos os mais diversos em estágios culturais também diversificados).
Para tanto, parece fundamental distinguir uma mentalidade, uma atitude em face da arte, uma motivação psicológica, assim como um sistema intelectual.
Cremos oportuno, pois, refletir sobre algumas peculiaridades de ordem espaço-temporal, importantes à conceituação de todo e qualquer aspecto concernente à Cultura Árabe.


Estilo kûfi ortogonal (Samarkanda): "Não há deus senão Deus e Muhammad é o mensageiro de Deus" (profissão de fé muçulmana)

Tendo início a formação da Umma em 622, a almejada nação árabe-islâmica adquiriu seus contornos maiores com a chegada dos muçulmanos à Península Ibérica em 711. Não se deve deduzir, entretanto, que a formação da arte e seu pleno desenvolvimento coincida com o tempo absoluto, marcado pelas datas a que nos referimos. Há que se ater ao tempo relativo, pois o processo de implantação da língua árabe e da religião islâmica gerou uma realidade bastante complexa, determinada pela união de várias etnias, várias culturas, várias filosofias.
O grau de islamização de cada região ou grupo social foi extremamente diversificado, não só porque o momento histórico em que ocorreu era outro, mas — e sobretudo — em virtude do maior ou menor arraigamento das populações conquistadas a seus valores originais. Para exemplo, tomemos a Pérsia, que à época da arabização era uma região das mais florescentes sob todos os aspectos e que manteve, com a incorporação dos valores árabes e islâmicos, muita autonomia na condução de seu desenvolvimento cultural (uma autonomia que se projeta até hoje, aliás, pelas especificidades de sua prática político-cultural).
Outro exemplo é dado pelos berberes. Apegados de modo intenso a sua condição de povo de "amazigh" (homem livre), instalados ainda hoje na região do Magrib (Marrocos), parecem ter se islamizado massivamente, apenas por volta do século XI, mesmo assim, guardando respeito por tradições ancestrais e usando, ao lado do árabe, sua língua berbere original. Aliás, os valores berberes estão muito vivos ainda hoje, coexistindo com os valores árabes e islâmicos (a propósito, chamou-me curiosamente a atenção em Paris, o depoimento de uma colega da Universidade de Constantina na Argélia, que se definiu politicamente como árabe, do ponto de vista religioso, como muçulmana e culturalmente como berbere...).
A incessante afirmação de uma realidade específica no seio de uma entidade ontologicamente unitária não cessou de existir, mesmo com o renascimento cultural empreendido no mundo árabe, ou seja, a Nahda, movimento iniciado por cristãos e não por muçulmanos... A própria Nahda, pois, é um exemplo do que acabamos de dizer.
É interessante notar que a ordem instaurada pelo Islam, ao longo de oito séculos, pôde, em certo momento, aproximar mais culturalmente a Andaluzia do Egito que do próprio norte da Espanha...A propósito, observa Grabar(2): "no ano 700 de nossa era, é provável que Córdoba e Samarcanda não tivessem conhecimento uma da outra; em 800, faziam parte do mesmo mundo, o que não mais era válido em 1200. Na mesma época, Granada fazia parte da civilização de Samarcanda, mas não mais da de Córdoba. Em 1450, Constantinopla era ainda um bastião da arte bizantina cristã, mas em 1500, sua produção artística poderia se comparar à de Delhi ou Marraksh".
Essa desigualdade, manifesta tanto em dimensão histórico-geográfica, quanto sócio-cultural, por certo repercutiu no modo de expressão artística, levando à coexistência de posturas mais ou menos rigorosas no que toca à relação da doutrina islâmica com as culturas pré-existentes nos contextos que se iam arabizando.
Por outro lado, o patrimônio artístico das regiões conquistadas veio, muitas vezes, fecundar a original aridez de uma civilização, de início, muito austera.
Ao nos determos, porém, nas peculiaridades que configuram a arte, para além da adoção de traços ou do amalgamento de traços adquiridos pelos caminhos trilhados pela Civilização Árabe, verificamos que há certas constantes na concepção artística, tanto no espaço como no tempo; constância ligada a modelos consagrados pela tradição, apesar das variações regionais e da imensa área abrangida pelo Islam, cuja população engloba todas as raças (devemos levar em conta que a expansão islâmica atravessa todo o Oriente, chegando até a China e, em direção ao Ocidente, abrange todo o norte da África, com repercussão pelo interior do continente, e parte da Europa). É para estas constantes que nos voltamos, ainda que brevemente, hoje; constantes que gravitam em torno do binômio palavra/imagem.
Vê-se que prepondera fortemente a ausência da imagem na obra de artistas muçulmanos, bem como a fascinação por uma forma decorativa não figurativa, sendo notório o valor da escrita, a repetição em grandiosa caligrafia da divina mensagem. A ausência da imagem também faz-se sentir no plano ensaístico: os críticos árabes, ao longo do tempo, não têm comentado a arte, a não ser em sua forma abstrata (indicando, de algum modo, que apenas a arte abstrata mereça relevo). As artes plásticas – embora existentes, timidamente, já a partir do século VIII, com visível apogeu no século XI e XII, quando do desenvolvimento das miniaturas — não suscitaram a efervescência teórica e analítica que acompanha as realizações correspondentes da arte ocidental em todas as épocas.
Tomando para exemplo, o tunisino Ibn Khaldun, conhecido autor do século XIV, em seus Prolegômenos, Tratado de Filosofia Social (aliás, existe uma bela tradução em português feita por José Khoury diretamente do árabe), verifica-se que ao abordar as formas de expressão cultural árabe islâmica, silencia sobre o problema da criação plástica, o que revela a natureza estrutural desta lacuna.

"Não será a bondade a recompensa da bondade? (Alcorão LV, 60)"
(Caligrafia de Hassan Massoudy)

Por outro lado, considerada no âmbito teológico, a questão da imagem é ainda mais complexa e convocou figuras eminentes do mundo islâmico (3) através dos séculos como a de Algazali no século XI que em sua obra Ihya ‘Ulum Al-Din (Vivificação das Ciências da Religião) condena os afrescos bizantinos representando seres humanos e animais, não tolerando senão os que representam seres inanimados.
Outro conhecido autor medieval, Mohamad Ibn Sirine, em sua obra Mokhtar al Kalam fi tafsir al Ahlám (Palavras escolhidas para interpretação dos sonhos), afirma que o pintor é um sonhador e por isso, vive sob o influxo do falso, pois "a imagem procedente do sonho remete a uma realidade fictícia".
Al – Naboulsi vê na imagem "o sinal enganoso que mascara a alusão e a torna incapaz de remeter à sua realidade expressiva superior" e Ibn Chahin (do qual me orgulho ser descendente) vê na imagem, a "personificação da mentira".
Exceção feita de alguns estudiosos árabes — todos contemporâneos, tais como Mohamed Aziza na Tunísia, Afif Bahnassi na Síria, Jabra Ibrahim Jabra no Iraque e alguns outros, ligados de algum modo ao estudo da imagem plástica — a omissão de estudos a respeito de uma estética árabe é evidente. É significativo observar que há não muito tempo, a revista tunisina Al-Fikr consagrava um número especial voltado à Cultura Árabe. Ora, este número foi realizado não só por tunisinos, mas por árabes de diferentes países que abordaram a totalidade dos domínios da cultura, bem como dos gêneros artísticos, salvo as artes plásticas!...
São os críticos e historiadores da arte ocidentais, entretanto, dentre os quais merecem destaque Oleg Grabar, Douglas Talbot Rice, Titus Burkhardt, Fritjohf Schuon, Richard Ettinghauser que, de certa forma, dedicam-se a preencher este vazio e a superar a falta de estudos sobre uma estética árabe, buscando caracterizar a arte figurativa árabe, o que acaba implicando necessariamente, a valorização da arte abstrata, representada fortemente pela Caligrafia e pelo Arabesco.
É contestável, entretanto, a afirmação de Von Grünebaum(4), segundo a qual, a Cultura Islâmica seria constituída, procedendo por aceitação ou eliminação de elementos do legado que recebeu das culturas anteriores (do Egito, Mesopotânia, Bizâncio, etc), estando entre as que o Islam rejeitou, a arte plástica e até a arte dramática (que não deixa de ter uma interface com a plástica, conseqüência da representação humana). Afirmação contestável, que remete a uma questão complexa e vejamos por que.
A ausência da imagem, profundamente associada à visão de mundo árabe e islâmica, decorre muito naturalmente da concepção teológica central do texto sagrado. O Al Corão, palavra incriada do Deus único, eixo de todo um ser coletivo e individual, é considerado o Signo-Fonte da Sabedoroia, do Dever e da Beleza.
A escrita tornou-se uma das formas mais proeminentes de inserção do signo na realidade e na memória dos homens, fixando a língua que se tornou o veículo da Revelação.
Na verdade, o Al Corão, mais do que um mero texto sagrado, é um amplo código de conduta religiosa, moral, social e filosófica, além de expressar uma lei e, por assim dizer, uma ideologia. É o parâmetro para toda uma vida prática e intelectual.
Desse modo, o Islam pôde proporcionar uma ordem a um vastíssimo território, guardando uma uniformidade básica.
Oscilando dialeticamente — de modo sutil — entre o geral e o particular, o comum e o específico, os árabes não perderam de vista o objetivo maior, a consolidação da entidade unitária representada pela Umma, oferecendo aos povos conquistados, a convicção clara de pertencer a uma civilização e a um projeto "árabes", refletindo um desígnio divino. A propósito, lembra-nos Aziza(5): "A la notion d’unité raciale et ethnique se substituait peu à peu, une unité du devenir, le devenir arabo-musulman."

O pensamento alcorânico é total e sua língua é perfeita, porque procede do Verbo do Altíssimo que desceu à Terra. Este Verbo fez-se escrita. Escrita que se materializou na Caligrafia, que representa o corpo visível da divina palavra.
Para o Islam, o nome sagrado de Deus e o Al Corão equivalem à Encarnação para o cristão: o mesmo senso de devoção que o cristão nutre por Jesus, Verbo Encarnado, é o que o muçulmano nutre pela escrita da palavra divina e pelo Al Corão que a acolhe. Diferentemente, pois, do Cristianismo (e poderíamos acrescentar, do budismo, por exemplo), o Islam jamais teve a necessidade de uma iconografia centrada na vida terrestre de seu fundador: Muhammad, ao contrário de Cristo, era um ser apenas humano, eleito por Deus, sim, para transmitir sua mensagem na terra. Mas é a própria mensagem divina que, sob sua forma escrita, deve receber observância e culto.
Essencialista, a arte islâmica levou a extremos a reserva quanto à imagem, quase negando a própria possibilidade de uma arte figurativa, ao menos vendo-a com precaução e desprezo.
Convém examinar um pouco mais de perto, esta prevenção contra a imagem. A prevenção contra a imagem já permeava, como se sabe, os preceitos das grandes religiões monoteístas anteriores ao Islam.
Entre os antigos semitas, a idolatria judaica mereceu o cabal repúdio dos profetas. Erguem-se contra ela, incisivos discursos como os de Isaías e Jeremias. Ainda no Velho Testamento, a famosa passagem de Êxodo 20, 4, por exemplo, preceitua imperativamente: "Não farás imagem talhada, nem qualquer representação das coisas que estão no céu e na terra, ou nas águas sob a terra".





"Não será a bondade a recompensa da bondade? (Alcorão LV, 60)"
(Caligrafia de Hassan Massoudy)

Charly Clerc, em seu clássico Les Théories relatives au Culte des Images chez les auteurs grecs au IIè siècle(6), alude à desconfiança que se estendia à arte manual por sua possível associação com o objetivo idólatra: "Le Créateur des choses ne peut être renfermé dans une création d’homme — Ce serait un blasphème que de le supposer. Quant à vénérer dans une image, le symbole de l’Etre divin, il ne peut en être question. Car, outre qu’une telle adoration est dépourvue de sens — on sait à quels égarements elle entraîne".
Antes de prosseguirmos com a análise do problema no Islam, contrastemos a questão contra o pano de fundo das concepções cristãs, das leituras cristãs do tema da imagem e da antropologia a ela subjacente.
Se para o cristão, há sensível gradação na conceituação da imagem: não se deve adorar, mas reverenciar a imagem da Virgem, de Jesus e dos Santos; para o cristão oriental, as regras de preservação da sacralidade são mais rígidas; ele exclui a tri-dimensionalidade da imagem talhada, a estátua esculpida, admitindo apenas os ícones, imagens pintadas em superfície plana.
Há que ressaltar, entretanto, que houve, no decorrer da história, importantes manifestações em favor da imagem para o cristianismo.
Extremamente significativa, por exemplo, foi a polêmica intervenção de São João Damasceno (séc. VII) que, no acirramento do iconoclasmo — um contágio da presença de árabes muçulmanos nos limites do Império Bizantino — busca recuperar, fortalecendo em seus três discursos tornados célebres em prol da imagem sagrada, seu valor próprio, a imagem como conseqüência clara do realismo cristão, presente na realidade histórica e ontológica da encarnação.
Disse-o bem Vittorio Fazzo(7), ao interpretar o pensamento de João Damasceno: "O mundo em que o Verbo de Deus desceu por encarnar-se verdadeira e realmente, não é um mundo de sombra, mas um mundo a que a realidade e a bondade originária da matéria é dada diretamente pela criação de Deus". Cabem aqui, as palavras do próprio Damasceno em seu Segundo Discurso: "De fato — diz ele — se Deus se encarnou e pela carne foi visto sob a terra e se, devido a sua indizível bondade, conviveu com os homens e assumiu a natureza, a consistência, a forma e a cor da carne; então, não estamos errados em fazer sua imagem. Nós desejamos ver sua figura"...(8)
São palavras que guardam nítida ressonância salmística. Veja-se, por exemplo, o salmo 27,8: "Vultum tuum, Domine, requiram" / Eu anseio tanto por ver teu rosto, Senhor.
Reiterada ao longo do tempo, a importância da imagem cristã encontrou no século passado e neste, no teólogo russo Vladimir Soloviev e no escritor britânico Gilbert Keith Chesterton, seus defensores mais rigorosos.
Mas, voltemos ao Islam. Embora o tema da imagem seja infinitamente profundo no cristianismo, aqui, naturalmente, estas referências só nos importam como contraponto.
Um primeiro fato surpreendente para quem se inicia nestes estudos, com relação ao Islam é que, examinando-se o texto alcorânico, constata-se que nele não há interdição definitiva da imagem ou da arte em geral.
É evidente e muito clara, entretanto, a condenação da idolatria, uma vez que "será proscrito todo objeto de arte que se torne cultuado". Tal condenação explicita-se de modo cabal na surata 53, versículos 19 a 23, quando, em relação aos ídolos mais famosos adorados pelos árabes pagãos (três estatuetas femininas), o A Corão afirma: "Al-Lat, Al-Uzza e Manat não são mais do que nomes, que vós e vossos pais lhes haveis dado. Deus não fez descer sobre elas nenhum poder".
Já quanto aos hadiths, tradições, isto é, compilações que se referem à conduta e à fala do Profeta, verifica-se que em suas declarações está contida a hostilidade à arte em geral e, em particular, à figurativa. Verifica-se ainda que a condenação surge com mais veemência contra o artista do que contra a sua obra, conforme um de seus mais reconhecidos aforismos: "os artistas que fazem imagem serão punidos no Dia do Juízo por um julgamento de Deus que lhes determinará a impossível tarefa de ressuscitar suas obras".
Outra razão implícita da condenação do artista e da imagem que produz, escuda-se no fato de que a mensagem nuclear do Al Corão, consiste em afirmar a unicidade e o total poder de Deus. A relação dos Atributos de Deus (Asma ‘Allah al Husna) mostra que um de seus qualificativos é Al – Mussawir (o criador de formas), o mesmo termo utilizado para pintor. A partir daí, todo artista que produzisse formas pintadas e, sobretudo esculpidas, seria um rival de Deus no exercício de Suas atribuições principais.
O muçulmano vê a representação como blasfêmia, pois só Deus tem o poder criador da vida. Na visão hindu, por exemplo, e na cristã, a arte figurativa representa um modo de falar de Deus, da natureza e não de imitá-los ou de competir com eles.
Não se pode esquecer, por outro lado, que um ponto fulcral da doutrina islâmica é o combate ao politeísmo e ao totemismo vigente entre os árabes da Jahiliya, literalmente, época da ignorância, isto é, a época pré-islâmica, de desconhecimento da mensagem divina, donde a importância conferida à palavra escrita em dupla dimensão: iconográfica e educativa.
O Islam, afirmação da Unidade divina consiste numa conformidade ritual e espiritual do homem e da sociedade com a Lei Alcorânica, portanto com a Unidade. É neste sentido que se manifesta Schuon(9), quando afirma, conciso: "L’Islam est un bloc spirituel religieux et social", pois a idéia de Unidade é o suporte de toda a espiritualidade e, de certa forma, de toda atitude social.
A Igreja é um centro e não um bloco. O cristão leigo é, por definição, um ser periférico. O muçulmano é um ser central em sua tradição (aliás, nem caberia falar em muçulmano leigo, como também não há sacerdotes; para o Islam, o muçulmano é sacerdote de si mesmo).
E a Unidade não é exprimível em termos de imagem.

Outro erro fundamental do ponto de vista da figuração para o muçulmano é que com a utilização da imagem, ocorre a projeção da natureza do absoluto no relativo, atribuindo-lhe uma autonomia que não lhe pertence.
Nesta linha de considerações, a ausência de imagens nas mesquitas tem dois objetivos: um é o de eliminar a presença que se poderia colocar contra a presença — ainda que invisível — de Deus e que poderia, além disso, tornar-se fonte de engano por causa da imperfeição de todos os símbolos; o outro é a afirmação da transcendência de Deus, considerando que a Divina Essência não pode ser comparada com absolutamente nada.
A arte abstrata, por sua vez, esta sim, é a expressão de uma lei e manifesta, tanto quanto possível, a Unidade na multiplicidade. Burkhardt acrescenta: "Arte para o muçulmano é uma prova da divina existência; deve ser bela, sem revelar as marcas de inspiração individualista e subjetiva; sua beleza deve ser impessoal como a beleza do céu estrelado".(10)
Com efeito, a arte islâmica deve atingir uma espécie de perfeição que pareça ser independente do autor; seus triunfos e seus fracassos desaparecem diante do caráter universal das formas.
Para além de seu significado hierático adquirido a partir do Islam, as razões de valorização da palavra já se encontram na mais longínqua Arábia pré-islâmica, no âmago do deserto que é o mentor do encontro do homem consigo mesmo, sem outra mediação, a não ser a do silêncio que eloqüentemente o povoa.
Nesse mundo de ausência, de vital impacto com seu ser mais íntimo, a gente do deserto previne-se contra tudo o que, de certa maneira, se liga ao mundo do visível, preferindo a visão interior à representação clara e manifesta, o que está contido no conhecido provérbio:

"Al tukhaiulát ahám min al ma’rifa

A imaginação é mais importante que a realidade.
A imagem não tem significado real, aproxima-se da miragem. O deserto é o mundo do invisível e principalmente, um mundo sônico.
Já na primitiva realidade árabe, os meios de expressão artística são, compreensivelmente, a poesia e a música: duas vertentes que se exprimem pela palavra e que são essenciais, porque procedem do espírito e a ele retornam, suprindo a necessidade de beleza e de ligação com o mundo de que todo homem não prescinde; o errante em particular.
O significado da existência insinua-se também na palavra indefinidamente repetida da parábola, do provérbio, do conto, cujas formulações tocam de perto o homem em seu cotidiano e em seu interior, facilitando a interpretação do mundo e da natureza.
O Al Corão surge como que determinado por e para essa realidade.
É o signo máximo, que deve ser lido, interpretado e decifrado em toda dimensão, porque traz o grande significado do Mundo e da Natureza em seus versículos, chamados apropriadamente ayát, isto é, sinais, cuja presença é inextricável da presença de Deus.
Na inspirada formulação de Flusser, em seu artigo "Ex Oriente Lux"(11), "Deus se manifesta escrevendo e o homem se aproxima de Deus, lendo aquilo que está escrito. Se o olho físico e mental do homem acompanha atento as curvas da letra, seu espírito é elevado em curvas até o espírito universal. É preciso sorver a letra em sua concreção compacta, se quisermos compreender a plenitude do termo 'verbo encarnado'. Deus está encarnado na letra. A letra e a escrita são o aspecto fenomênico e compreensível de Deus. Deus escreve. A palavra árabe que significa escrever consiste das letras KTB e estas letras denotam a atividade divina. Denotam, com efeito, o próprio fundamento da realidade que cerca o homem. Aquilo que é, é, porque assim está escrito: 'Maktub'. Deus se manifesta duas vezes. É autor de dois livros O primeiro é a natureza, o segundo é o Al Corão. Mas os dois livros, embora de forma diferente, são idênticos quanto ao conteúdo (...) O estudo do Al Corão é uma iniciação ao estudo da Natureza. O estudo da Natureza é uma procura de Deus".
Como corpo da Revelação, a Caligrafia ou Khat é a própria identidade do Islam, exercendo-se como elo entre a Natureza e o Alcorão, ao plasmar os sinais de Deus em seu duplo sentido: sendo abstrata é, em certa medida, figurativa, visto ser a própria encarnação do Verbo; sendo visível presença da divina palavra, remete ao Invisível (Ghayb).
A Caligrafia não é, pois, uma arte em substituição à imagem. Na verdade, a palvra divina fez-se imagem e como tal é cultuada na tradição árabe.
Esta dimensão filosófico-religiosa radica, inevitavelmente, a Caligrafia na base da teologia muçulmana. O caráter desta relação profunda ressaltará sempre na Arte Caligráfica, mesmo quando dessacralizada ou utilizada de outro modo (como faz o calígrafo Hassan Massoudy, por exemplo, ao promover, por meio de sua arte, o teor humanístico do pensamento): pela reverência do traço, magnificência do estilo, solenidade do gesto e significativa presença da cor. Sobretudo pela estrutura física da escrita (privilegiada pela enorme plasticidade de que são dotados os caracteres árabes) realizando-se pela ordenação das letras em duas disposições: uma vertical que conduz à ascese, representada principalmente pelo alif(A) e pelo lamm(L) e outra horizontal, que as junta, tecendo a unidade e o ritmo que virá a configurar o signo estético, seja ele de cunho religiosos ou não. A sacralidade, porém, passa a necessariamente integrá-lo.
Muito embora tenha se realizado, a conquista da arte figurativa e seu conseqüente desenvolvimento até o presente, entre os muçulmanos, nunca teve um percurso tranqüilo, ainda que se verificasse sempre no âmbito do profano. Suscitou sempre acirradas polêmicas e acaloradas discussões acerca de interpretações dogmáticas.
Houve, evidentemente, níveis diferentes de aceitação e de restrição à imagem ao longo da história: a região da Pérsia, por exemplo, mostrou-se mais liberal que as regiões de substrato semítico; houve uma atitude marcadamente moralizadora nos primeiros tempos do Islam, com vistas a extirpar de seu universo a idolatria, contrastando com a abertura maior do século XII, período sem dúvida de maior estabilidade político-cultural. E, retomando Grabar, diríamos que a "heterodoxia xiita mostrou-se mais permissiva que a ortodoxia sunita". Contudo pairou sempre sobre a mão do artista — ainda que de modo não canonicamente explícito — certo desprezo pela imagem.
Por outro lado, há uma unanimidade, uma horizontalidade que atravessa a globalidade árabe: a importância da escrita, da Caligrafia como veículo máximo da simbologia islâmica: é escrita para ser ouvida no silêncio da fé que leva ao Islam. E é poesia para ser vista, pela harmoniosa concepção do signo como unidade estética.
Por sua dimensão ornamental, iconográfica e educativa, a Caligrafia cumpre uma função social que a valoriza, atendendo à preocupação com a "utilidade da obra" que todo artista, todo pensador e todo escritor árabe tem, por não conceber meramente a arte pela arte.
Integrada a uma fé e a um ideal, a Caligrafia tem seu fundamento num Islam que embora traga uma mensagem à Humanidade surge, inicialmente, ao homem árabe do deserto, falando sua linguagem e considerando sua mentalidade e seus valores...
O calígrafo Massoudy, ele mesmo um homem do deserto, sintetiza com rara percepção, essa compatibilidade:
" Para um muçulmano, o mundo das imagens ditas 'reais' não são mais que o reflexo enganoso de uma Realidade maiúscula que escapa necessariamente às armadilhas das aparências; afinal de contas, a idéia que guardamos em nós da realidade, tem mais verdade que a aparência contingente que nossos sentidos nos liberam dessa mesma realidade.
Segundo esta visão, a palavra portadora da idéia, encarna a realidade mais do que a simboliza. Sem querer levar mais adiante o paradoxo, eu diria que a figura pintada não é senão o signo de uma realidade que ultrapassa a representação e que, ao contrário, o signo caligrafado, encarregado de traduzir abstratamente as figuras do mundo, toma lugar, por sua vez, entre as figuras do mundo e, por esta razão, adquire autonomia, vontade, carne."(12)
Salah Stétié, entre filósofo e poeta, busca também explicar a constante oposição à imagem entre os árabes muçulmanos, afirmando: "Les formes que nous avons sous les yeux ne sont que des assemblages momentanés d’atomes. Elles sont destinées à passer. La ligne n’existe pas: elle n’est qu’un point qui se déplace et cette conception explique pourquoi la pensée musulmane, niant la ligne et la figure se soit rapidement détournée de la géométrie au profit de l’algèbre et de la trigonométrie (...) L’art musulman sera donc, s’il ne veut être blasphématoire, un art qui soulignera le changement"(13).
A partir deste amplo embasamento — aqui, pelas limitações óbvias, mais indicado do que propriamente examinado — já podemos compreender porque os fundamentos propendem para a Arte Abstrata, mais precisamente à Caligrafia e não para a arte plástica, figurativa (e do mesmo modo, para a álgebra e não para a geometria...). E torna-se fácil compreender que — exceção feita da ta’zieh, dramatização persa xiita do martírio do Imam Hussein (explicável historicamente) e da "minimização" da imagem pelo "teatro de sombras" não haja propriamente um teatro muçulmano e que praticamente, todo o teatro árabe, dentro da concepção que conhecemos no Ocidente, seja de lavra cristã.



Yussif Dez/2005