Os numerosos templos ainda existentes no Egito revelam a importância que os antigos egípcios davam à religião e às suas mulheres. A estrutura do clero era extremamente organizada: havia uma hierarquia sacerdotal em que cada sacerdote tinha uma ocupação específica. Ao sumo sacerdote cabia a função de representar o faraó, que era um deus encarnado. Fisicamente era impossível para o rei, realizar rituais em todos os templos do Egito ao mesmo tempo. A onipresença do rei deus era assegurada, magicamente, através do sumo sacerdote de cada templo.
Abaixo dos sumos sacerdotes, haviam os sacerdotes uabu (puros), os it nitir (pais divinos), os himu nitir (servidores do deus), entre outros.
O número de mulheres ligadas ao culto nos templos também era grande, pois cada templo possuía um grupo de cantoras e musicistas sagradas. Essas sacerdotisas tinham a função de cantar hinos sagrados e tocar os sistros (instrumentos musicais destinados a afastar o mal) durante os rituais. Elas não residiam no templo, mas sim com suas respectivas famílias e levavam uma vida normal. Eram convocadas em dias específicos e apenas por algumas horas, sendo dispensadas depois das cerimônias.
Por outro lado, as sacerdotisas que compunham a khnirit (equipe de suporte constante), residiam no templo como reclusas. Eram chefiadas pelas sacerdotisas que tinham os títulos de “Esposas do Deus”, “Divina Mão” ou “Divina Adoradora”.
O clero feminino mais poderoso foi, certamente, o do deus Amun. A partir do Novo Império o título de “Esposa do Deus Amun” foi reservado à esposa do faraó, que poderia também receber o título de “Divina Mão”. A primeira rainha a receber o título de “Esposa do Deus Amun” foi Ahms-Nfrtari, esposa do faraó Ahms o fundador da XVIIIª Dinastia (cerca de 1550 a.C.).
Por dedicar-se a reorganização da religião e graças as suas numerosas contribuições para o desenvolvimento dos cemitérios e templos de Thbas(Tebas) (principal centro de culto de Amun), Ahms-Nfrtari foi adorada, posteriormente, como deusa. A rainha e seu filho Amun-hatp I, tornaram-se os patronos da necrópole de Thbas, e foram cultuados por varias gerações, sobretudo na região de Dai ral-Mdina.
Depois de Ahms-Nfrtari outras rainhas e princesas também usaram o titulo de “Esposa do Deus”. A partir da XXIª Dinastia (cerca de 1070 – 945 a.C.), o título de “Esposa do Deus”, unido ao de “Divina Adoradora” foi reservado a uma das filhas do faraó, ou a outra mulher de sangue real.
Eram, geralmente, virgens que se preocupavam integralmente no serviço sagrado. Cada faraó desse período colocava uma filha nesse posto, que representava grande poder religioso e político.
A “Divina Adoradora” tinha grande prestigio, era a única mulher que tinha acesso à área mais sagrada do templo, onde ficava o santuário do deus Amun. Possuía funcionários influentes, propriedades e riquezas, além de ter sob seu comando as sacerdotisas de cargos inferiores. Virgens, as “Divinas Adoradoras”, perpetuavam sua autoridade adotando uma jovem herdeira de seu sangue, formando assim uma dinastia feminina dentro do templo.
Essas mulheres reclusas entoavam hinos, tocavam sistros e reservavam sua beleza ao deus Amun, rendendo-lhe culto diariamente.
Durante as XXVª e XXVIª Dinastias (período de 715 – 525 a.C.), essas líderes religiosas viveram uma época de esplendor. Porém, com a invasão dos persas, os títulos de “Divina Adoradora” e “Esposa do Deus” desapareceram.
Contudo, as imagens dessas mulheres poderosas sobreviveram ao tempo; seus retratos são admirados e requintadas obras de arte expostas em museus do mundo inteiro.
Bem conhecida, a estatueta representando a rainha Karumama da XXIIª Dinastia, impressiona quem visita o Museu do Louvre em Paris.
A rainha foi retratada usando uma peruca curta e arredondada, típica da moda de sua época; sobre a cabeça ela ostenta o mudius (uma espécie de “coroa suporte”) onde, possivelmente existiam duas longas plumas. Sua túnica é decorada com um lindo colar e sobre sua fonte é possível notar o corpo da naja real (o ura'us).
A posição das mãos parece estranha porque faltam, provavelmente, os dois sistros que Karumama utilizava durante os rituais.
Para alguns essa imagem feita em bronze pode parecer simples, se comparada com as famosas obras em ouro e gemas preciosas. Porém, só as mulheres que possuíam uma alta posição na sociedade tinham condições de ter suas imagens feitas em bronze. Além disso, Karumama ostenta os títulos de “Esposa do Deus, Senhora das Duas Terras, a Divina Adoradora de Amun, filha de Rá, Senhora das Coroas, Karumama, Amada da deusa Mult”.
A grandiosidade e riqueza do clero feminino são notadas nos sarcófagos das sacerdotisas; feitos em madeira nobre, trazida da Fenícia (hoje Líbano), pintados com belíssimos motivos florais e cenas religiosas, essas obras de arte, revelam o gosto refinado de suas proprietárias.
O Museu Metropolitano de New York orgulha-se do magnífico ataúde de madeira estucada e pintada, que foi da sacerdotisa Hinit-taui, da XXIª Dinastia. O sarcófago, que mede 2,03cm, abriga um outro esquife dentro, que por sua vez abriga uma rampa de madeira destinada a cobrir a múmia.
A ausência de ouro não diminuiu o valor desse jogo de ataúdes que, esculpidos em madeira importada, na época custava uma verdadeira fortuna.
O grande número de sarcófagos semelhantes mostra que as abastadas sacerdotisas não hesitavam em pagar grandes quantias por um funeral digno de sua posição.
Hoje os templos estão abandonados. O templo de Amun, em Karnak, não ostenta suas cores vivas de outrora. Nos recintos onde só os grandes sacerdotes podiam entrar, os homens comuns tocam as paredes e colunas espantados com o que restou daquela cidade santa.
Os milênios abafaram o coral das sacerdotisas e o som dos sistros; o que se escuta hoje, é a voz do guia e o riso de alguns turistas que não compreendem a iconografia egípcia.
O tempo tudo devora, faz desaparecer as vozes, rasga nossas vestes e esvazia cidades inteiras. Mas os antigos egípcios venceram o tempo e fizeram dele seu aliado. Ganharam a eternidade e, mesmo calados, “falam” por meio de seu legado.
As mulheres sagradas de Amun, reclusas e virgens fizeram seus nomes atravessarem as paredes do templo e do tempo, chegando até as partes mais remotas do mundo, alcançando a eternidade.
Yussif Abr/06
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